segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Uma leitura, baseada no pensamento marxista, da obra “Senhora”, escrita por José de Alencar



     Podemos resumir aqui o pensamento marxista a partir de um termo criado por Marx em parceria a outro estudioso alemão, Engels. Refiro-me á “dialética marxista” ou “dialética materialista”. O termo dialética não é recente e tampouco foi criado por estes escritores. Este termo foi trabalhado primeiramente na Grécia antiga pelo filósofo Platão e desenvolvido mais tarde por Hegel. Na dialética platônica e hegeliana o que condicionaria a sociedade como um todo seria apenas o trabalho intelectual ou aquele produzido dentro das academias.
    Contrariando ou fazendo crítica a dialética platônica, Marx diz que o que condiciona a sociedade não seria apenas o trabalho intelectual, más toda a forma de trabalho, ou seja, a economia condicionaria a sociedade como um todo. Marx chama o papel da economia de Infraestrutura e a sociedade de supraestrutura. Para Marx, ao falar em supraestrutura ele estaria englobando tudo que existe ou acontece na sociedade, tais como religião, artes, costumes, etc. Além disso, também se discute a luta de classes, não somente em relação a desigualdade social, em seu aspecto econômico, más também cultural.
     Para falarmos sobre esta forma de realizar uma análise de textos literários, a partir de uma visão marxista, acreditamos ser necessário começarmos por explicar resumidamente as características e alguns aspectos importantes desta frente de análise literária. Ressaltando que o marxismo é uma linha de análise socioeconômica inspirada na obra do estudioso alemão Karl Marx. Porém as ideias principais do pensamento marxista também são aplicadas á analises literárias.

Obra e Autor
    Escrita por José de Alencar, a obra “Senhora” foi publicada em 1875, dois anos antes da morte do escritor, pela editora Martin Claret. Na obra Jose de Alencar retrata a sociedade fluminense do século XIX, deixando transparecer características culturais, políticas e econômicas muito fortes da época. Neste momento da história brasileira o país passava por um modelo de sistema imperialista dominado pelos cafeicultores, era a época dos barões do café. Esta também era a época dos casamentos arranjados, onde os pais das noivas pagavam um dote para os futuros maridos de suas filhas. Quanto maior fosse o dote, mais e melhores pretendentes os pais arranjavam.
    O nome verdadeiro do escritor era José Martiniano de Alencar. Nasceu em uma pequena cidade próxima á Fortaleza chamada Messejana, em 01 de maio de 1829. Entre as principais obras de José de Alencar destacam-se, além de Senhora, algumas obras como Lucíola, Iracema, O guarani, etc. José de Alencar morreu na cidade do Rio de Janeiro no dia 12 de dezembro de 1877. Em sua homenagem foi erguido uma estatua no Rio de Janeiro e construído um teatro em Fortaleza, cujo foi dado o nome de “Teatro José de Alencar”.

Marxismo em Senhora
    Analisaremos a obra a partir de alguns trechos selecionados que apresentam aspectos debatidos pelo marxismo, já mencionados anteriormente. Serão apresentados resumos destas partes escolhidas juntamente com uma crítica especifica para cada situação.
    - A história inicia-se com a ascensão socioeconômica da personagem central da trama, Aurélia Camargo. De repente ela começa a frequentar eventos da alta sociedade. Ninguém a conhecia, porém a partir deste momento ela passa a atrair a atenção de todos, pois além de ser rica possuía uma beleza imensurável. Entretanto, “Aurélia era órfã; tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva D. Firmina Mascarenhas, que sempre a acompanhava na sociedade.” (pág. 15)
    O que queremos realizar com este trecho é um aponte para duas características da época em que se passa a narrativa. Aqui, não foi explicado como ela enriqueceu, porém o que nos interessa é a ingressão da personagem em um mundo onde ela não seria aceita se não estivesse em uma posição social favorável. Também é apresentada a situação de não emancipação feminina. Se uma mulher saísse sozinha era considerada inescrupulosa.
    - Aurélia passou a ser requisitada pelos melhores pretendentes do estado do Rio de Janeiro, porém ela não se deixava interessar por ninguém. Isso ocorria por Aurélia trazer consigo um segredo que mais tarde se revelaria ser o amor por Fernando Seixas, homem que a abandonara para se casar com uma moça rica, lembrando que quando isto aconteceu Aurélia era uma jovem pobre.
    Este ponto da obra, que agora foi abordado, talvez seja o mais importante para essa linha de pensamento teórico que está se buscando utilizar. José de Alencar nos expõe com uma situação que podemos chamar de “comercialização do casamento”, onde a união do matrimonio se transforma em mercadoria. O que acontece nesta época é o pagamento dos chamados “dotes” para a família do noivo. Quando Fernando abandona Aurélia, ele o faz com o intuito de lucrar com o novo casamento.
    - Aurélia alimentava um sentimento de vingança para com Fernando. Passa algum tempo sem velo, pois ele havia ido a negócios até Minas Gerais, é neste período em que ela enriquece. Quando Fernando retorna recebe uma proposta de casamento vinda de uma moça desconhecida. Por ser uma boa proposta, Fernando aceita o pedido de casamento mesmo sem saber quem seria sua esposa. Ele descobre quem é a noiva somente no dia de seu casamento. Fica surpreendido ao saber que sua noiva desconhecida era a mulher que amava.
    Fernando aceitara se casar com uma desconhecida para, entre outras coisas, ter certeza de que suas duas irmãs poderiam “pagar por um bom marido”. 
    - Ao casar-se com Aurélia, Fernando acreditava que teria uma vida feliz, porém os planos de sua mulher eram diferentes. Aurélia passou a trata-lo como seu escravo, Ao ver que sua vida estava se transformando em um inferno, Fernando propõe á devolução do dote recebido a ela, querendo em troca o divorcio. Ao ver a atitude de Fernando a jovem decide perdoa-lo e expõe a ele seus verdadeiros sentimentos. Como em muitos romances, para haver um final feliz, eles acabam juntos.

Considerações finais
    A obra escolhida para ser objeto de uma análise marxista apresenta um número superior de características que podem ser visualizadas a partir desta teoria, como por exemplo, o sistema de escravidão que é relatado durante a narração. Entretanto, demos atenção aos fatos ligados aos personagens centrais, o que reduz o objeto consideravelmente.
    Por não ser uma teoria especificamente literária, para realizar esta analise marxista proposta, faz-se necessário o conhecimento da contextualidade da obra e autor. Porém é uma analise prazerosa de ser feita, pois refere-se a aspectos da realidade. 

Referencias Bibliográficas

ALENCAR, José de. Senhora. 3. Ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.

Eduardo Alves dos Santos
Acadêmico de Licenciatura em Letras
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS

Vidas Secas – Um filme feito com recursos simples, porém de forma espetacular


    O filme Vidas Secas trata-se de uma releitura cinematográfica do livro Vidas Secas, escrito pelo, entre outras coisas, romancista realista brasileiro Graciliano Ramos. Graciliano nasceu no município de Quebrangulo no Alagoas, em 27 de outubro de 1892 e veio a falecer 61 anos depois na cidade do Rio de Janeiro. Era um escritor que se preocupava com a realidade existente no sertão brasileiro, em explicitar o como era a vida do cidadão nordestino. Além da obra Vidas Secas, Graciliano Ramos é autor de algumas obras muito importantes em âmbito nacional, como a obra Caetés, ganhadora do premio Brasil de Literatura no ano de 1933. O autor também possui uma grande quantidade de obras póstumas, como Memórias do Cárcere publicada no mesmo ano de seu falecimento e Cartas à Heloisa, esta já no ano de 1992.
    Voltando ao filme, Vidas Secas data do ano de 1963, exatamente 10 anos após a morte de Graciliano. Foi dirigido pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos, considerado um dos mais importantes cineastas brasileiros, principalmente por causa deste trabalho. Para se ter a noção da importância deste filme, segundo o site Wikipédia, “foi o único filme brasileiro a ser indicado pelo British Film Institute como uma das 360 obras fundamentais em uma cinemateca.” (Wikipédia). Além disso, o filme foi indicado à “Palma de Ouro”, premio com o maior prestigio dentro do “Festival de Cinema de Cannes”, que acontece todo ano na cidade de Cannes, Riviera Francesa. Para finalizar com chave de ouro suas importantes premiações, recebeu o prêmio do OCIC e o prêmio dos cinemas de arte.
    A trama se passa em meio ao semiárido nordestino. Neste contesto de exclusão socioeconômica se apresenta um modelo de família nordestina da década de 50, formada por Fernando – o pai, Sinhá Vitória – a mãe, o filho maior e o filho menor. Não podemos esquecer-nos do cachorro Baleia que também pode ser considerado um dos personagens centrais da trama. Além destes, apresentam-se o fazendeiro que se torna patrão de Fernando e o soldado amarelo.
    Em relação á história em si, trata-se de um filme que faz você se colocar na situação de miséria e sofrimento passada pela família de Fernando. Nós que moramos na região sul do Brasil, não temos a noção de como seria ficar sem um item tão básico para a sobrevivência, como é a água. Más este crédito de passar a realidade como ela verdadeiramente é, não deve ser dado ao filme, más ao saudosíssimo escritor José de Alencar. O filme por seu lado conseguiu, em minha leitura, transmitir de maneira muito realista o que o autor José de Alencar queria explicitar. Um destes pontos que o filme transmite muito bem, é o que chamamos de zoomorfização. Este termo é utilizado para explicar uma transformação do ser homem racional para um animal. No filme isso pode ser visto em situações onde os personagens disputavam comida com o cachorro baleia, colocando-se em um “mesmo nível” do animal.
    Dou atenção à forma com que este filme foi feito. O senário, os sons de fundo, a forma de filmagem, entre outros aspectos, são todos realizados de forma muito simples, se compararmos com as superproduções norte-americanas que são consideradas um referencial para o cinema mundial nos tempos atuai, porém possui alguns truques que fazem com que seu desenrolar se torne até melhor que os filmes cheios de efeitos produzidos por lá. Um destes pontos que me marcou, foi a sensação da câmera estar dentro dos olhos dos personagens, como se pudéssemos incarnar este personagem, ver e sentir o que existe ao seu redor.

    Um ponto interessante é o de que o filme só possui senas gravadas durante o dia. Eu consigo pensar em duas explicações, até meio obvieis, para esta escolha do diretor em filmar somente durante o dia. A primeira seria de cunho meramente cinematográfico ou de efeito visual, assim como queiram. Desta forma, utilizava-se da luz incomparável do sol e evitava-se utilizar uma fonte de luz artificial que não da o mesmo destaque que a luz do dia atribui. Uma segunda forma que pensei, seria a respeito do que se queria passar com o filme ou o que se queria passar do livro para o filme. Explicando desta forma, isso ocorreria para tentar aumentar a sensação de desertificação do semiárido, tentar dar ênfase ao lugar que passa a história, afinal é durante o dia que o calor é infernal e que as pessoas têm de se virar pra sobreviver.
    Finalizo explicitando meu contentamento para com relação ao filme. Posso dizer que não esperava nem mais nem menos do que vi. Confirmei com ele que para um filme ser bom e segurar a atenção do espectador não necessita de explosões, senas vulgares ou até mesmo um enredo dinâmico. Com a mesma calma que o cidadão nordestino espera pela chuva, o filme se desenrola, sai do ponto inicial para após algumas reviravoltas voltar ao seu ponto de partida.


Eduardo Alves dos Santos
Acadêmico de Licenciatura em Letras
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A morte e a morte de Quincas Berro D`água


    Escrito por Jorge Amado (10/08/1912-06/08/2001), membro da academia brasileira de letras, autor de muitas obras de grande sucesso, como “Gabriela Cravo e Canela” e “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, o romance “A Morte e a Morte de Quincas Berro D`água ” é uma história muito engraçada, que foi inicialmente publicada em maio de 1959 pela revista carioca “Senhor”. Com ilustrações de Glauco Rodrigues, a novela teve sua primeira edição, pela Livraria Martins Editora, São Paulo, em 1961. Esta obra apresenta linguagem de “fácil compreensão”, um enredo muito interessante e também engraçado.
    O romance conta a história de Joaquim Soares da Cunha, respeitado pai e marido, residente de Itapegipe, área nobre de Salvador, Bahia, que um dia ao se dar conta de que está ficando velho abandona sua família para se entregar aos vícios, principalmente á bebida/ esta seria sua “primeira morte”, a moral. Quando Joaquim abandona sua família, que segundo ele não o amavam, ele se muda para Tabuão, área pobre, mas também de Salvador, onde conhece sua “segunda família”, a da rua, seus companheiros de noite e bebedeira. Entre tantas pessoas que ele apegou amizade, os mais próximos eram Negro Pastinha, Mestre Manuel, Curió, Cabo Martins, Pé-de-Vento e seu amor das ruas Quitéria do olho arregalado. Nas ruas é também onde Joaquim recebe seu apelido de Quincas Berro D`agua, por causa de terem oferecido água como se fosse cachaça para ele, e o mesmo ter dado um grito ensurdecedor de “água”.
    Após Quincas sofrer sua “segunda morte”, comprovada por um médico, sua família decide esquecer de seu abandono, lembrar de todos os anos que ele fora uma pessoa responsável e dar-lhe um funeral considerado mais digno (Católico). Mas no decorrer da cerimônia fúnebre, os amigos de Quincas, de Tabuão, chegam para presenciar a despedida , mas ao encontrarem Quincas com um sorriso aberto no rosto o dão por vivo, daí então começa uma caminhada literalmente para sua “terceira morte”.
    Pode-se também constatar nesta magnífica obra que mesmo o autor tendo se expressado de forma hilariante, e muito bem por sinal, ele transmite uma notável disparidade entre os “dois mundos” apresentados na história, Itapegipe e Tabuão, uma forte disputa entre classes e culturas, a dos ricos e católicos “contra” a dos pobres e com suas mistura de crenças.
    Em suma, é um texto prazeroso de se ler, com vocabulário diversificado, mas sem ser extravagante, um ótimo desenvolvimento da trama e um impactante e dramático fim, o que certamente justifica a fama deste grande autor.

Eduardo Alves dos Santos
Acadêmico de Licenciatura em Letras
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS